top of page
Buscar
Foto do escritorJeff Ribeiro

A MORTE É UM PONTO FINAL TATUADO NA ALMA

Crescido em uma cidade do interior, observava sem entender as procissões da igreja. Louvores cantados por pessoas que caminhavam a passos curtos, sem pressa de chegar. As vezes descalço, as vezes até de joelhos. Mas sempre com uma vela na mão.

Por que a vela? Durante o dia a luz não aparece, à noite, na chegada, eram depositadas no altar, onde já havia luz.

Minha mãe guardava em casa o pedaço de parafina apagada, com o pavio queimado. Já eu, observava sem entender.


Com a morte do meu pai, nos restou o eco de sua ausência. Feito uma vela apagada.


Sempre que pode, ele vem me visitar em sonho, ainda vivo, forte. Ouvindo seu disco do Roberto Carlos.


Aquele senhor grisalho, tinha o hábito de cochilar depois do almoço. Mesmo fora de casa, sumia, dava seu jeito, criava seu aconchego. Acho que por isso esse sonhar, um desejo de criar outra realidade, em que depois de meia hora seus olhos se abririam para receber um abraço.


Pai, tive um pesadelo...


Mas não, não tem quem possa passar a mão e falar que já passou. Até porque não vai passar. Isso eu achei que tinha aprendido só, mas ainda assim precisei dele. O luto nunca nos deixa. As vezes latente, as vezes encubado. Mas sempre presente.


Presente... Agora né?


E se houvesse uma máquina do tempo pra trazê-lo de volta?

E se...


Mas de onde está, ele iria querer isso? Talvez brincar com a física seja apenas um desejo birrento de quem não aceita a realidade.


E quem consegue? Quem é capaz de lidar sem sentir o peito apertar? Olhar pra uma foto de alguém que ama e saber que acabou. Que nunca mais vai ver aquela pessoa, conversar, rir...


Assim como a foto, agora é só lembrança. Não terão novos momentos pra rechear a convivência.

A morte é um ponto final tatuado na alma.


Ele sempre me falava que eu precisava domar minhas vontades. Mas agora não tem ninguém pra me lembrar. Só o vazio que ficou.


O chavão das últimas palavras sussurradas ao pé do ouvido como um último conselho, não tivemos.


Mas assim como alguém que ao perder um sentido reforça os outros, meu velho reforçou o sorriso, o olhar. Me deixou a missão de interpretar, de imaginar.


Enfim... de sonhar.


Me lembro do seu velório, todos vinham me contar histórias vividas em seus tempos áureos. Descobri tanta coisa que fez por aí.


Amigos, brincadeiras...


Uma vida narrada em várias bocas. Minha dor ficou pequena. Como se cada um levasse consigo um pedacinho daquela ausência.

Ou se dividíssemos a mesma dor. Feito uma pizza tamanho família.


Ventava muito, nenhuma vela ficava acesa. Nem precisava, a luz era outra. Gosto de pensar que era o pai soprando de lá de cima, só pra fazer graça, não gostava muito de velas.


Mas a verdade é que novamente sou eu querendo preencher lacunas.


Desisti de tentar entender, assim como as velas na igreja. Igual quando ele perdeu a voz, desistiu de forçar, mas não de falar, se tornou um mimico. Fez das mãos sua nova fala. E assim pudemos ouvi-lo novamente.

6 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page