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Foto do escritorJeff Ribeiro

A PONTE NO SÍTIO DA MINHA AVÓ

Uma crônica sobre a dor do luto


Quando éramos crianças eu e meus primos adorávamos correr e brincar no sítio da minha avó na Bahia. Era um lugar grande, com várias árvores, pés de goiaba e acerola. Sempre que íamos lá nós passávamos o dia de um lado para o outro. Esconde-esconde era a nossa brincadeira preferida, sempre respeitando as regras da Vovó: “Não pisem na minha horta e fiquem longe da roseira.” A roseira da vó Vitorina era sua maior paixão, era nosso território proibido. Já a horta me lembro de várias vezes distraído pisar na hortelã ou no manjericão. Aquele mesmo manjericão que era o segredo do molho de seu maravilhoso macarrão de domingo, mas isso não é história pra hoje.
Um dia a gente esticou um pouco a brincadeira e fomos parar em um rio que ficava na parte de trás do sítio, inventamos de cruzar a ponte, ponte essa que era só um tronco de madeira de mais ou menos uns três metros que ligava as margens.
Todos os meus primos atravessaram quase que correndo, eu fiquei. Fiquei ali parado, encarando o rio, o tronco e calculando a altura da queda. Tive medo, mas por fim atravessei.
Mesmo que devagar, colocando um pé na frente do outro e meus primos gritando para eu me apressar que a brincadeira não podia parar. Me recordo até hoje do medo que tive antes e no decorrer daquela travessia, mas confesso que quando cheguei do outro lado, enfrentar o medo valeu à pena. Eram novas árvores, novos locais. Tínhamos um mundo a desbravar, ou pelo menos foi assim que enxerguei no alto de meus nove anos de idade.
Me recordo que na volta atravessamos novamente aquele tronco que atendia pela alcunha de ponte. Dessa vez o medo ainda era presente, mas em menor intensidade. O prazer do outro lado compensava a travessia.
Recentemente minha sogra perdeu o pai e apesar de toda a dor que o luto trás consigo ela trouxe uma reflexão que vou levar comigo para sempre.
A gente passa a vida inteira com medo da morte, fugindo, não querendo pensar no assunto, como se essa fosse a pior parte da vida. Esquecemos até de nos preparar para esse momento, para a partida daqueles que mesmo depois que se forem deixaram para sempre uma tatuagem de lembranças em nossas mentes e corações. Esquecemos que a morte é uma passagem, um rito de transição entre o lado de cá e o lado de lá, entre a fase terrena e o mundo espiritual ou qualquer outra forma que tenha para definir isso que para nós é indefinido.
Nesse mundo sempre fomos passageiros e a vida começa (ou recomeça) depois dessa fase, então não deveríamos ter medo, mas sim esperança. Eu sei que por vezes é difícil pensar assim, mas creio que esse pensamento nos traz conforto e até mais respeito por toda essa trajetória presente.
Escrevendo essa crônica me lembrei também de Epicuro que dizia: “A morte não é nada para nós, pois, quando existimos, não existe a morte, e quando existe a morte, não existimos mais.”
Pois eu acredito que assim como a ponte improvisada no sítio da minha avó, a morte é só a travessia que nos revela o sabor do desconhecido que por mais que tenhamos medo por vezes é tudo que precisamos.


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