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Foto do escritorJeff Ribeiro

BANHEIROS SÃO COMO DIÁRIOS


Quando eu tinha oito anos meu pai me deu uma agenda do Snoopy. Eu fiz dela meu diário anotando ideias, pensamentos e coisas que aconteciam no dia a dia.

Desde essa época essa prática é recorrente. Gosto de escrever, acompanhar minhas mudanças, crescimentos e erros.
Quantas vezes escrevi que não faria algo novamente e fui lá e fiz?
Como se a memória e a caneta fossem inimigas.
Me divirto do tanto de vezes que paguei a língua. Devo dizer até que tenho um carnê de língua. Maior que qualquer crediário das casas Bahia.
Me mudei recentemente, para uma casa maior com dois banheiros, sendo um deles suíte. Dia desses um amigo veio beber comigo, jogar conversa fora. Acabamos bebendo mais do que o esperado. Sugeri que ele dormisse no quarto de hóspedes pois não seria viável dirigir naquele estado.
Cansado e bêbado me pediu para tomar um banho. Nesse momento dei graças a Deus por ter dois banheiros em casa. Assim não precisava emprestar, compartilhar meu banheiro com ele.
É cômico reparar como algumas prioridades mudam na vida adulta.
Uma de minhas maiores realizações é o meu sofá gigante. Dividido em 18 prestações tão grandes quanto o assento que me acolhe depois de um dia cansativo no trabalho.
Tem ainda minha cozinha espaçosa e meu banheiro particular. É quase que um templo.
Se as pessoas soubessem os segredos que se escondem em um banheiro...
Todas as coisas ocultas por detrás dos potes de xampu, as lembranças varridas pela bucha ou os mistérios do sabonete que está quase no fim.
Chego a achar que o banheiro é como nosso diário. Onde abrimos nossos segredos. Quem nunca teve uma grande ideia no banheiro, cantou sozinho ou chorou uma desilusão?
Essa crônica inclusive nasceu lá, antes mesmo de tomar forma no papel.
No dia seguinte meu amigo tomou café, agradeceu a estadia e foi embora. Eu por fim decidi tirar o dia para fazer faxina. Colocar Zezé Di Camargo e Luciano no último volume. Arrastar o sofá e varrer a garagem.
Embaixo do sofá havia um caco de vidro. Era um pedaço de uma taça que eu havia deixado cair enquanto tomava vinho assistindo Netflix algumas noites antes. Ao achar recordei do dia, de como cheguei em casa ávido por um Merlot, e por relaxar depois de tantas coisas que haviam dado errado naquele dia.
Lembrei da cena na tevê que me surpreendeu me fazendo derrubar a taça, da correria pra limpar tudo antes que manchasse o sofá que ainda não tive tempo e nem dinheiro para impermeabilizar. Do corte que fiz no dedo enquanto arrumava a bagunça e do curativo pra estancar o sangue.
Tomei um banho em seguida pensando que talvez aquele dia tenha sido um dia pra simplesmente ser apagado, esquecido.
Pensei tudo isso enquanto a ducha despejava gotas de água morna no meu corpo. E agora penso o quanto aquelas paredes, aquele box são como as páginas de um diário, o espelho de momentos vividos, devaneios quase esquecidos com o desembaçar de vidros após um banho quentinho em manhãs de inverno.
Realmente banheiros são diários. Podem até não ter as cores e os desenhos infantis do meu caderno do Snoopy. Mas aquele azulejo com bordados em volta conta tanta história quantos as páginas coloridas dos meus oito anos.
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