
Aprendi jogar baralho com meu pai, quando me levava pra sua padaria e perdíamos a noção do tempo.
Era sua forma de esconder a preocupação pela falta de clientes. Ninguém nos interrompia por toda a manhã. Eu feliz em ter meu veio só pra mim e ele aflito pela ausência de compradores para os pães quentinhos.
Enquanto isso, os boletos se acumulando na mesa da cozinha. Mas ainda assim o sorriso era sempre presente.
Sempre o vi como meu super-herói, e hoje entendo que esse era seu superpoder: nos proteger dos problemas sem perder a ternura. O riso frouxo, foi sua maior herança.
Já adulto, o gosto pelas cartas permaneceu, aprendi inclusive algumas mágicas. A primeira com ele, contudo, as mais elaboradas vi na internet e fóruns sobre o assunto. Fiz uma em especial onde sumiam algumas cartas que logo reapareciam depois de algumas firulas. Seus olhos brilhavam, ficava doido tentando entender e pedindo para o ensinar como fazer.
Neguei, dizendo ser meu segredo, jamais contaria. Numa dessas disse que me arrependeria de não conta-lo. Que poderia morrer e além da culpa sentida, ele viria puxar meu pé durante a noite.
Nunca levei a sério e pela graça da brincadeira também nunca o ensinei. E assim sua profecia se fez verdade. O pai se foi sem aprender meu truque, mas pra meu azar nunca veio puxar meu pé. Por vezes até torci que isso acontecesse, só pra ter mais uma de nossas conversas madrugada adentro. Já cheguei a rezar antes de dormir, pedindo por sua vinda, e assim aprenderia a mágica, só pra fazer graça no céu. Se é que lá permitem baralho. Mas nunca veio, até hoje tenho esperanças, nove meses depois da sua partida.
Seria este meu superpoder, mas acho que isso não herdei dele. Ele era o super-herói da família, eu sou apenas o mágico.
Commentaires