Uma crônica sobre a brevidade da vida
Esqueci que tinha um cliente para visitar antes das 18. Com esse trânsito louco de São Paulo não vai dar tempo. Decidi ir de metrô, me atraso, mas não perco o cliente.
Carro na marginal? Ideia de louco. Chegaria pra um coffee break amanhã pelas 10.
Pela janela do metrô vi dois garotos com suas bicicletas. Cheias de fitas, adesivos e outras papagaiadas.
Me lembrei do Carlinhos, meu amigo de infância. Todo dia ele ia lá em casa. Lavar as bikes, colar adesivos, trocar a graxa da corrente e amarrar fitas no guidom.
Cuidar das bikes era um ritual. Ficávamos na garagem até a hora de assistir Dragon Ball.
Quando não estávamos mexendo nas bikes estávamos desfilando com elas na rua. Teve uma vez que até leds colocamos. Falávamos que eram faróis e entre inúmeras voltas nos quarteirões arrancávamos sorrisos.
Essa era nossa maior alegria. Nosso objetivo.
A vida era simples, tão simples que nem a vimos passar. Não temos mais doze anos e nem as nossas bicicletas.
Pior! Me esqueci do meu amigo. Nunca mais falei com ele.
Me esqueci do Carlinhos, agora é só Carlos. Dr. Carlos. Temos nossas profissões, eu corretor, ele médico. Eu querendo vender um apartamento por semana. Ele salvando uma vida por dia. Nesse meio tem ainda a nossa vida pra salvar, ou é o que se espera. Sabe como é...
Engolidos pela rotina. Essa tal correria que todos dizem.
A gente podia estar nas olimpíadas. No atletismo. Somos todos corredores.
Haja solado!
Quem nunca ouviu a frase: “Estou na correria” “A gente marca...”?
Frases mais batidas que o chevette 76 do meu tio. Mas isso é outra história.
E entre promessas que sabemos que nunca cumpriremos a vida passa... Passa e a gente fica. Feito quando chegamos atrasado no ponto de ônibus.
A vida passa e deixa a gente com cara de besta, mais avulso que uva passa no arroz em noite de natal.
Dia desses resolvi fazer diferente. Resolvi deixar um cliente de lado, fui visitar meu amigo. Apareci na casa dele sem avisar, assim de supetão. Conversei com sua esposa, comi um macarrão delicioso e de quebra ainda conheci o filho dele, o Bruninho.
“Um dia será só Bruno.” Ele disse.
Rimos alto, rimos muito. Eu tinha até me esquecido como é bom rir por nada, só porque estamos em boa companhia. Aquela risada uníssona que só se tem com amigos sinceros.
Lembramos das bikes, do colégio e até dos namoros da adolescência.
Sentado no sofá meu amigo me lembrou do dia que apertei o freio da bicicleta com força e dei de cara no asfalto. Todos riram, menos eu, é claro.
Hoje eu percebi que da mesma forma que aquele dia eu apertei o freio. Desacelerei a vida. Mas diferente do passado dessa vez ninguém caiu. E eu pude rir junto. Com a mesma leveza de quando tinha apenas pouco mais de uma década de vida.
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