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Foto do escritorJeff Ribeiro

DO NADA

O clima está cada vez mais doido. Esse ano fez calor no inverno.


A meteorologia anda cada dia mais maluca.


Sempre preferi o frio, mas essa semana está complicada. Tirei do guarda-roupas a minha melhor coberta e me aninhei na cama. Só que quando se tem quase dois metros de altura sempre falta pano, sobra pé. É um puxa daqui, repuxa dali, tentando fugir do vento gelado que insiste em entrar onde der.


Me lembro da primeira vez que fui em São Paulo, lá por volta dos oito anos. Acostumado com o clima do cerrado mineiro, o frio da terra da garoa me pegou desprevenido. Andava encolhido com as mãos no bolso, sem acreditar que pudesse existir um lugar com temperaturas tão baixas. Eu achava que todo aquele gelo era coisa dos filmes de Natal, era tudo muito longe da minha realidade.


—Será se vai nevar mamãe? Perguntei com medo. Eu não tinha roupa pra todo aquele frio.


Minha mãe riu, e me levou até um shopping pra comprar um novo agasalho.


Depois desse dia toda vez que eu viajava, pra visitar meus tios em São Paulo, colocava na mala meu moletom mais quente. Algumas experiências marcam pela dor, outras pelo frio.


Foi a primeira vez que eu usei a expressão: “Nem tenho roupa pra isso.”


Depois desse dia ainda usei a mesma expressão mais algumas vezes, algumas delas fizeram meus problemas com o frio, se tornarem pequenos. Expectativas são quebradas a todo dia. Seja em viagens ou relacionamentos.


É melhor pensar assim do que imaginar que só eu quem me encolhi em um lugar ou relacionamento que não cabia. Em uma situação que não devia.


E nem falamos mais do frio paulistano apenas.


Passei muito tempo preenchendo espaços, definindo o meu. O coelho da Alice dizia que pra quem não sabe onde quer chegar, qualquer caminho serve. Ele só não falava da dificuldade em descobrir o rumo que se quer chegar. Deve ser esse propósito que tanto falam, sei lá.


Em dias de inverno sinto que a vida é esse eterno puxar o cobertor. Tampar aqui e descobrir ali. Esse samba do pé de fora.


Aquele desenho de uma vida perfeita, onde o trabalho é tranquilo e o chefe fica rindo aos quatro cantos.


A vida amorosa sem atritos e os boletos pagos antes do dia cinco é a melhor definição de utopia.

Do lado de cá da ponte o chefe pede uma planilha difícil pra sexta à tarde, os boletos se empilham e o happy hour fica pra depois e brigas acontecem porque a toalha molhada foi esquecida na cama depois do banho.


Assim como o frio, os problemas entram pela janela. Pegam a gente desprevenidos pelo pé que ficou de fora. A vida acontece do nada.


Do nada você encontra na rua o colega que não via desde a faculdade, do nada você perde as chaves de casa, do nada você distrai pra mudar de estação do rádio e bate o carro.


Do nada.


E da mesma forma que quando eu era uma criança descobrindo o mundo, o ciclo se repete. A vida acontece no inesperado, sem roteiros, sem padrões.


Um dia ruim pode simplesmente surpreender e mudar. Sem você menos esperar.


Do nada.


Feito o frio que me pegou desprevenido na viagem.


Essa crônica não fala sobre o inverno.

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