Ele sempre se achou malandro, o tipo conquistador, safo. Voz mansa com as garotas, sedutor barato de núcleo pastelão de novela das nove. Típico personagem interpretado pelo Eri Johnson.
Nem um amorzinho, nem um sacana. Queria encontros casuais, deixava tudo às claras, não criava expectativas. E falando em expectativas, foi quando conheceu ela. Perfil de fotos provocantes que mostrava suas curvas e escondia seu rosto. Ele até achou estranho, mas se deixou levar. O papo foi esquentando, partiram pro assanhamento.
Falavam de sexo, posições preferidas e onde gostavam que suas línguas percorressem. Ele nem se lembrava como chegaram nesse assunto. E talvez essa seja a parte boa, era natural.
Lembrou de sua avó que dizia que quando a esmola é demais, o santo desconfia. Ele desconfiou, propôs chamada de vídeo, ela aceitou. E viu na tela, tudo que as fotos prometiam. Não acreditava que uma gata daquelas estava dando mole pra ele, querendo um encontro.
Se beliscou umas 298 vezes antes de aceitar o convite. Ela sugeriu na casa dela. Ele concordou. Mas a cabeça que funcionava naquele momento não tinha cérebro. Se pensasse bem não iria, preferiu não pensar, a proposta era boa demais pra recusar.
Parou em uma adega no caminho e comprou uma garrafa de vinho. O homem estava impossível, queria impressionar.
Chegou no endereço que o gps apontava. Um prédio simples, sem porteiro, apenas um jardim na frente de uma guarita de vidro com duas poltronas de couro. Daquelas que ficam só de decoração e ninguém nunca se senta. Usou o celular de campainha, avisando sua chegada, ela respondeu com um joinha e logo ele ouviu o estralo do portão sendo destravado. 121 bloco A, primeiro corredor a esquerda. Parecia mais uma coordenada em um jogo de batalha naval. Ele entrou no elevador e assim como na música do Nando Reis, apertou o doze que era o andar.
A porta estava aberta, ela o esperava sentada no sofá. Mãos apoiadas entre as pernas e sorriso de Monalisa. Ele entrou, fechou a porta. Apoiou o vinho na mesa de madeira logo na entrada e foi na direção de sua anfitriã. Em silencio, ela passou os braços por seu pescoço e o beijou. Um beijo correspondido, os corpos foram se encontrando, sentindo o toque do tecido e da pele atritando. Forraram o chão de roupas e desejo. Ela o puxou até o quarto, o deitou na cama e começou a acariciá-lo. Assim sem trocarem uma palavra. O tato era a linguagem escolhida.
Foi quando barulho de passos interrompeu os dois. Era alguém que caminhava no corredor externo. Ela ficou ressabiada, se levantou apressada, gritando que devia ser seu marido, pediu que ele se escondesse.
Praticamente empurrado, foi jogado para debaixo da cama com suas roupas. Não sabia se estava em um filme ou em um episódio dos Trapalhões. Mas era real, incomodo. Não deu tempo de entender o que estava acontecendo.
Uma chave tilintou na fechadura e uma voz masculina preencheu o local. Ela o chamou de amor.
— Chegou cedo meu amor.
— Sim, trocaram meu plantão.
O casal aos beijos, e o amante espremido, sentindo o medo acelerar seu coração, os sons eram abafados pelo tun tun do sangue correndo feito Papa-Léguas em suas veias.
E enquanto na parte superior dos lençóis as caricias se intensificavam, para ele só restava o colchão afundando, denunciando o que os gemidos escancaravam por si só.
Colocou no mudo para não fazer barulho, ainda assim ouvir o som da ficha caindo em sua mente. O porquê das fotos sem rosto e todo aquele mistério.
Mas e agora? Como sair dessa situação? Teria que passar a noite debaixo da cama com a cabeça apoiada no chão de taco?
Preso em seus pensamentos, nem viu o barulho do chuveiro sendo ligado. O marido foi tomar banho. Rapidamente ela apareceu por debaixo das cobertas e pediu que fosse embora, abriu a porta e se despediu. Na correria entregou a garrafa de vinho e o beijou, um selinho descompromissado, incongruente com tudo que havia acontecido naquele quarto.
Só de cueca e com as roupas na mão, se vestiu no corredor, apressado, do jeito que deu. Um misto de constrangimento e humilhação. Foi em direção a saída, quando percebeu que a portaria estava fechada. Ela não havia liberado o portão. E agora? Ligava pra pedir que abrisse? Esperava alguém entrar e saia? Não sabia o que fazer. Quem saberia? Não existe protocolo pra sair de fininho da casa de mulher casada.
Decidiu esperar, ligar era fora de cogitação. Quando estava debaixo da cama, encoberto pelos babados da colcha, desconfiou pela voz que o marido corno era policial. Imagina só, confusão dobrada.
Se escondeu em um canto, entre armários e artigos de limpeza. Seria muito suspeito ficar sentando nas poltronas. Ainda mais com uma garrafa na mão. A mesma que estava sobre a mesa. Será se tinha sido vista? Bem, não era mais problema seu.
Ficou por horas e nenhuma alma viva deu as caras na portaria, precisava pensar em algo, estava ficando tarde. Olhou em volta e reparou que na lateral tinha um jardinzinho, mais baixo e com alguns arbustos. Se arriscou e pulou o muro. Jogou a garrafa e foi em seguida.
Deu certo! Seja lá o que certo for. Ele estava fora, apesar de alguns ranhados. Seu braço esquerdo sangrava por conta de uns espinhos que nem sabe de onde veio. Ainda pisou nos cacos da garrafa que jogou pelo muro. E assim chegou ao carro, todo estropiado, derrotado. Com sua noite espatifada, assim como o Pinot Noir.
Sentiu fome, parou em uma conveniência. Foi quando se deu conta que sua carteira não estava no bolso. Onde poderia ter caído? Embaixo da cama? Ou ao transpor o mudo?
Se o marido fosse realmente um policial e achasse seus documentos poderia ir atrás dele.
Pegou seu celular pensando em novamente mandar mensagem, mas não tinha como, já estava bloqueado em todas as redes sociais. Que sinuca de bico. Pensou até em se mudar, mas havia acabado de comprar seu apartamento. Lamentou por ter moradia fixa. Não pagava aluguel, mas poderia receber uma visita de um marido raivoso a qualquer momento.
Logo ele, o cara malandro, conquistador.
Só de imaginar, perdeu o apetite. A pior parte era tirar segunda via de seus documentos (isso sim é sacanagem). Chegou em casa muito depois do boa noite do Willian Bonner. Na sacada ficou olhando os prédios, as luzes acesas, pintando as janelas de laranja, feito vagalumes empilhados. Pensando que cada luzinha daquelas era é uma treta, a dele pelo menos, virou história no jornal.
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