Eu fico pensando na expressão cair a ficha. Acho que qualquer um que nasceu dos anos 2000 pra frente nem sabe mais do que se trata.
Já eu cativo da década de noventa, bem me lembro de ir todo fim de tarde até o orelhão com meu pai para ligar para minha avó ou algum outro parente distante. Mas era mais pra sua mãe que ele ligava mesmo. As fichas eram escassas, não dava pra ficar de papo como hoje em tempos de WhatsApp.
Meu pai era direto, não podia perder tempo. Já ia querendo saber como ela estava, se tinha alimentado o porco que estávamos engordando para o Natal.
O barulho da ficha caindo fazia iniciar em nossa mente uma corrida contra o relógio. Falar todas as informações necessárias antes do tempo acabar. Usar uma segunda ficha era só pra situações importantes, ou o papo do dia seguinte ficaria comprometido. Assuntos mais longos deixávamos para o almoço de domingo, onde aí sim poderíamos saber de tudo com detalhes.
Ali, os Ribeiro reunidos à mesa. E assim, essa corrida contra o tempo era quase uma gincana do “passa ou repassa”. Por sorte sem torta na cara.
Meu pai subia a rua repassando comigo tudo que precisava falar com a vó: alimentar o porco, avisar o tio Brasilino pra passar lá em casa no sábado e perguntar a ela se as dores na barriga haviam melhorado.
Ela garantia que estava alimentando bem o porco e que não esqueceria de dar o recado ao meu tio. Sobre a dor ela falava que não era nada. Mas infelizmente era, e alguns meses depois perdemos minha avó e assim no Natal daquele ano a mesa tinha uma cadeira vazia. Alguém que não comeria do porco que engordamos.
Meu pai tentava parecer forte, mas eu me lembro de ver seus olhos úmidos sempre que íamos até aquela casa que por vezes abrigou os almoços de domingo e que agora era a lembrança de um tempo passado.
"Tá tudo bem pai?" eu perguntei.
"Está sim meu filho, mas é que a ficha ainda não caiu."
Ouvi a resposta de meu pai e com apenas sete anos não entendi.
"Será se ele vai ligar pra vó lá no céu?" "Tem orelhão pra isso?" Pensei e me calei. Tudo que meu velho precisava naquele momento era um abraço. Eu dei, e ainda veio acompanhado de um sorriso. O entendimento só veio tempos depois, junto com a maturidade.
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