Pode ser lida ouvindo Don’t Stop Me Now do Queen
A cada dia tenho aprendido mais a aproveitar a vida que cai no meu colo. A vida real que se põe acima de expectativas tão pequenas quando aqueles minis cactos em entrada de mercado paulistano.
E falando em mercado, dia desses estava fazendo compras e via carrinhos apressados pelos corredores. Um tentando ultrapassar o outro feito Senna e Proust na final do campeonato de 1990. E eu tranquilo me divertia com a música de fundo. Don’t Stop Me Now do Queen.
Acho que as pessoas me achavam doido de estar cantarolando e com um sorriso no rosto enquanto procurava pelo macarrão integral com melhor preço. Mal sabia elas que no caminho até lá eu ouvia uma playlist minha, só com músicas da infância. Aberturas de desenhos, séries antigas e jogos. Se alguém se interessar é só procurar no Spotify no meu perfil. O nome da playlist é Destravando Memórias.
E assim eu sigo tentando não ser engolido pela rotina que já é devastadora por si só. E acho que o universo tem concordado comigo, pois é muito mais gostoso fazer as compras do mês ao som de uma boa música.
Tão divertido quanto manobrar o carro no estacionamento ao som do tema do jogo do Mário e ver os olhares incrédulos.
Acho que essa é uma batalha pessoal por não endurecer nesta selva de pedra.
Dia desses eu postei uma crônica sobre as batalhas que realmente desejo travar. Essa com certeza é uma delas. Não endurecer demais. Que a casca não seja maior que o núcleo.
Quando me mudei pra São Paulo eu me assustava com a quantidade de mendigos nas ruas e como as pessoas passavam por isso como se fosse normal. —Ah, São Paulo é assim. —São Paulo não é pra amadores.
De início me senti amador, mas com o tempo percebi que isso começou a virar corriqueiro pra mim também. A gente vai se acostumando, assim como se acostuma com o trânsito e o cheiro do Tietê.
Eu me recuso!
Essa é minha luta, não endurecer mais do que preciso. Gosto muito da frase que diz endurecer sem perder a ternura. Não sei quem foi o autor, já que essa discussão segue por tempos na internet e essa batalha também não é minha.
Mas onde fica a ternura e onde fica a dureza?
Onde dizemos não para o mundo que quer nos engolir e nos permitimos cantar no mercado lotado em pleno domingo à noite?
Sim... domingo a noite. Acho que esse é o endurecer talvez. Aceitar que a vida adulta nos impõe coisas a serem feitas, assim mesmo, quando der.
Dizer não pra festa no sábado porque a escrita do novo livro precisa sair. Ou entender que o risoto com a tia não deu certo porque ela dá aula até tarde e ainda precisa cuidar da casa.
E assim vamos neste eterno morde e assopra dançando uma música que não colocamos pra tocar.
Acho que é isso, a vida é um eterno modo shuffle de uma playlist que não escolhemos música alguma. Mas que no fim tem bastante coisa boa, basta parar um pouco e ouvir.
Comigo tem sido assim, e tudo bem. Nem é reclamação nem nada do tipo, acho que é só uma justificativa. Vai que você me viu por aí cantarolando no mercado. Já sou grandinho, não pega bem! Melhor me explicar.
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