Vinte e sete anos de casamento.
Me casei no século passado e acordei nesse mundo doido. Fico olhando o vazio aqui no sofá, na cama.
Ressignificando a palavra ausência.
A casa já não é mais a mesma. Eu sei que fui eu quem pôs um ponto final em tudo, mas a vida e a rotina já haviam colocado várias vírgulas, interrogações e até algumas reticências.
Não deu pra mim!
A Nandinha tem a cara do pai, sempre que olho pra ela me lembro de todos os planos e sonhos. Aqueles que deram certo em quase três décadas juntos e aqueles que foram se tornando ilusões de nossa mente que queria fazer de tudo para que algo que já tinha terminado desse certo.
Como é difícil fechar ciclos, aceitar mudanças. Até quando saio com as meninas do trabalho pra me esquecer de tudo, eu me pego pensando nele, preocupada se ele está bem. Foram muitos anos vividos, acho que não existe borracha que apague uma vida inteira de mãos dadas com outra pessoa.
Por vezes me peguei pensando que talvez se houvesse uma traição, uma terceira pessoa pra eu culpar seria tão mais fácil. Mas não! Foi só a gente que se perdeu no caminho, que deixou que a rotina fosse a outra em nossa relação.
E ela nos mudou tanto que a gente nem se reconhecia mais. Eu sentia que dormia com um completo desconhecido, que dividia a cama com alguém que conheci na balada e levei pra casa.
A Bruna e a Camila, minhas melhores amigas, dizem que eu preciso seguir. Na verdade, não só elas, mas todos ao meu redor. Me cansei de frases clichê. Seguir pra onde? Como?
Me casei no século passado e acordei nesse mundo doido. Com o relógio biológico beirando os cinquenta eu não tenho mais saco pra balada e música alta. Garotos misturando uísque de verdade com energético barato e se achando os reis do camarote. Será que é tão difícil achar alguém pra beber um bom vinho, falar sobre filmes e música e rir da vida sem se preocupar com o fim da noite? Será se é querer demais continuar a vida sem vários rótulos presos na testa?
Eu ainda sou a mãe, a dentista e a filha. Mas também sou a mulher que depois de um casamento que terminou quer continuar a vida e achar alguém pra dividir essa travessia. E não, eu não estou com uma placa de “Há vagas” na porta do meu coração, mas também não deixei a porta trancada. Acredito que por aqui tem espaço pra um novo amor, mas é que sinto que meu tempo já passou, não sou dessa época.
Papo de velha, eu sei. Mas quando você não sabe o que é Tik Tok, Narguilé e a sua novela preferida é Laços de Família você automaticamente se enquadra em outro grupo de conversas.
Minha terapeuta sempre falou que a gente precisa estar bem consigo mesma, talvez esse seja o meu problema. Ter saído de um relacionamento que abalou minha autoestima.
Me matriculei na academia e confesso que estou gostando. No começo era complicado, mas agora descobri o horário mais tranquilo que não tem aquelas mulheres fruta e nem os caras que gemem no supino mais que o Guga na final de Roland Garros.
Dia desses um rapaz veio falar comigo, me corrigir por estar malhando errado, até achei que era algum monitor da academia, mas não, era só um garoto prestativo que veio me mostrar como fazer um exercício de corda. Achei estranho ele estar ali malhando (sim eu sei que hoje o termo é treinar, mas ainda não consegui me adaptar) naquele horário e resolvi perguntar:
“Malhando aqui este horário? Geralmente o pessoal da sua idade costuma malhar a noite ou logo cedo.”
“O pessoal da minha idade? Quantos anos acha que eu tenho?”
“Trinta e um?!”
“Chegou perto, tenho trinta e seis, mas é que não gosto de toda aquela agitação e pessoas se exibindo, prefiro vir nesse horário que é mais tranquilo pra treinar.”
“Ah sim, realmente. Obrigado pelas dicas com o exercício.”
“Disponha.”
Confesso que depois da nossa conversa fiquei reparando nos braços torneados do garoto. Até tentei disfarçar, mas ele percebeu. Fiquei um pouco sem graça, mas também...Olhar não faz mal algum.
No dia seguinte ele não estava lá, achei estranho, mas segui meus exercícios. Mas depois de uma semana que o rapaz não aparecia comecei a pensar que talvez meus olhares tivessem afugentado o garoto.
Quase duas semanas depois eu já havia me esquecido dele quando estava arrumando minhas coisas pra ir embora e me assustei com uma mão em meu ombro.
“Oi tudo bem? Desculpe te assustar, mas é que desde aquele dia que conversamos um pouco eu fiquei pensando se não gostaria de sair pra tomar um café ou algo assim qualquer dia desses?”
Eu não acredito que o gatão da academia está me chamando pra sair. O que eu faço?
“Oi, não me assustou. Sobre sair eu não sei, é que acabei de sair de um relacionamento. Não me sinto confortável.”
“Entendo, mas acho que trocar telefones e conversar não tenha mal algum. Certo?”
“Certo!”
E assim trocamos telefone. Tem quase uma semana que compartilhamos memes, mensagens e algumas piscadas na academia. Não sei se vou conseguir suprir esse vazio que tenho no peito, mas resolvi aceitar o convite. Afinal de contas nunca se sabe né? E se for pra preencher essa angústia aqui dentro, por que não com café?
Na minha cabeça ainda vêm pensamentos sabotadores do tipo: “O que os vizinhos vão falar quando me vir entrando no carro de um homem mais novo?” ou “O que eu falo pra Nandinha?” “Será se ela vai pensar que eu quero substituir o pai dela?”
Quando na verdade eu só quero viver. Uma amiga também divorciada disse que existe vida após o divórcio, pois bem... Resolvi ver como é.
É tão difícil achar um papo legal, que quando ele vem até você e ainda te dá dicas de academia, é melhor deixar o vazio de lado e ver o que o futuro nos reserva.
Acho que esse sentimento ruim que fica aqui no peito sempre vai me acompanhar. Sempre que o Arnaldo vai lá em casa buscar nossa filha eu sinto que meu ex é um portal para o passado. É a vida me mostrando meus erros e meus acertos.
Eu não acredito que o fim seja só minha culpa, ou só dele, mas é que por mais que eu grite isso aqui dentro o vazio não vai embora.
Acho que aceito esse meu novo companheiro, mas pelo menos por hoje eu o deixo no armário e saio pra viver a vida.
Uma nova vida de descobertas.
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