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Foto do escritorJeff Ribeiro

ESTOU EMBAIXO DO T

Uma crônica sobre o dia que virei ponto de referência



Com um metro e noventa de altura ouço alguns comentários: “Ah, queria ser alto como você.” “Nossa que legal! Nem precisa de escadas pra trocar uma lâmpada.”

Não tenho muito argumento pra isso. Um sorriso sem graça ou uma confirmação com a cabeça.

Gosto de ser alto, mas não vejo vantagens em fazer certas atividades apenas esticando o braço. Nunca coloquei no currículo a habilidade de alcançar a última prateleira.

Sempre ocultei a parte chata de ser alto. As dores na coluna. As braçadas em desconhecidos ao desembarcar do metrô lotado. Inclusive me lembrei de uma história um tanto quanto embaraçosa e engraçada.

Já dizia o Suassuna que tudo que é ruim de passar é bom de contar. Pois bem...
Era um show lotado. Eu havia chegado um pouco antes do que o meu amigo. Comprei uma cerveja e fiquei ouvindo a banda de rock que se apresentava antes da atração principal.

Enquanto eu estava ali vi que tinha uma moça um pouco a minha frente conversando com a amiga. Tentando passar a sua localização: “Amiga, eu estou embaixo do T.”

Nesse momento eu ri muito, pois vi que acima de nossas cabeças havia um letreio da cerveja Itaipava. Olhei novamente e vi que eu estava abaixo do P.

Mas parece que a amiga não conseguiu encontrar. Ela descrevia o que via em volta, mas nada. Aumentava a precisão dos detalhes e nada da amiga encontrar.

“Amiga, eu vou levantar uma latinha de guaraná, não tem como não me ver.”

Na verdade, tinha. Tanto que a tentativa fracassou. Também em meio a multidão e a pouca estatura dela não acho que essa tenha sido a melhor referência.

Mas ela estava determinada, olhou pra um lado, olhou para o outro procurando um ponto de referência e nada. Olhou pra trás, deu um leve sorriso e falou pra amiga, parecendo ter achado a solução definitiva para que elas se encontrassem.

“Amiga, estou do lado do rapaz alto esquisito.”

Eu até pensei em cutucar o ombro dela e falar. — Ei, eu estou ouvindo tá.

É muito perceber que ser alto faz de você um marco, um poste. E o pior de tudo é que por fim as amigas se acharam. Eu prefiro acreditar que foi o T ou as sucessivas tentativas anteriores. Não quero acreditar que ser alto possa me transformar em um ponto de apoio para que pessoas se encontrem em shows lotados.

Não muito depois meu amigo chegou, me encontrou sem dificuldades, pensei em perguntar como ele me encontrou tão facilmente, mas acabei desistindo. Acho que já era frustração demais por um dia.

Fiquei feliz com a sua chegada e curtimos o show.

Mas o pensamento do ocorrido não saía da minha cabeça. Aquilo realmente me incomodou, fiquei pensando em respostas e justificativas pra mim mesmo.

—Pelo menos eu alcanço o pote de biscoito sozinho. — Eu tenho altura pra ir sozinho na montanha russa.

Argumentos que não faziam sentido nem em minha cabeça, quiçá para apresentar para alguém e fiquei pensando por que a opinião de alguém desconhecido me impactou tanto. Ainda mais pensando que ela estava certa.

Eu era o altão esquisito. Afinal de contas a amiga dela me achou por essa descrição.

Acho que é isso. Aprender a encarar como o mundo me vê. E isso tudo sem deixar que isso me impacte tanto assim. Difícil né?

Mas se a moça conseguiu achar a amiga pela descrição do altão esquisito, bem...

Acho que ainda tenho chance.

Espero ter a mesma perseverança que a moça embaixo do T.

Talvez seja isso ter Tesão pela vida.

Desculpem, não resisti ao trocadilho.
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