Uma crônica sobre o dia que virei ponto de referência
Com um metro e noventa de altura ouço alguns comentários: “Ah, queria ser alto como você.” “Nossa que legal! Nem precisa de escadas pra trocar uma lâmpada.”
Não tenho muito argumento pra isso. Um sorriso sem graça ou uma confirmação com a cabeça.
Gosto de ser alto, mas não vejo vantagens em fazer certas atividades apenas esticando o braço. Nunca coloquei no currículo a habilidade de alcançar a última prateleira.
Sempre ocultei a parte chata de ser alto. As dores na coluna. As braçadas em desconhecidos ao desembarcar do metrô lotado. Inclusive me lembrei de uma história um tanto quanto embaraçosa e engraçada.
Já dizia o Suassuna que tudo que é ruim de passar é bom de contar. Pois bem...
Era um show lotado. Eu havia chegado um pouco antes do que o meu amigo. Comprei uma cerveja e fiquei ouvindo a banda de rock que se apresentava antes da atração principal.
Enquanto eu estava ali vi que tinha uma moça um pouco a minha frente conversando com a amiga. Tentando passar a sua localização: “Amiga, eu estou embaixo do T.”
Nesse momento eu ri muito, pois vi que acima de nossas cabeças havia um letreio da cerveja Itaipava. Olhei novamente e vi que eu estava abaixo do P.
Mas parece que a amiga não conseguiu encontrar. Ela descrevia o que via em volta, mas nada. Aumentava a precisão dos detalhes e nada da amiga encontrar.
“Amiga, eu vou levantar uma latinha de guaraná, não tem como não me ver.”
Na verdade, tinha. Tanto que a tentativa fracassou. Também em meio a multidão e a pouca estatura dela não acho que essa tenha sido a melhor referência.
Mas ela estava determinada, olhou pra um lado, olhou para o outro procurando um ponto de referência e nada. Olhou pra trás, deu um leve sorriso e falou pra amiga, parecendo ter achado a solução definitiva para que elas se encontrassem.
“Amiga, estou do lado do rapaz alto esquisito.”
Eu até pensei em cutucar o ombro dela e falar. — Ei, eu estou ouvindo tá.
É muito perceber que ser alto faz de você um marco, um poste. E o pior de tudo é que por fim as amigas se acharam. Eu prefiro acreditar que foi o T ou as sucessivas tentativas anteriores. Não quero acreditar que ser alto possa me transformar em um ponto de apoio para que pessoas se encontrem em shows lotados.
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