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Foto do escritorJeff Ribeiro

HAJA MÃO, HAJA PUTA QUE PARIU


Sinto que a vida é como andar de carro com o tio Roberto. Um eterno segurar no “puta que pariu”. Rezava pra não capotar na primeira curva ao-lo fazer cada conversão com a coragem do Senna e a destreza de uma capivara cortando grama.

 

Os solavancos da vida me fizeram amargo, tipo o café da Juliana do escritório, que ninguém gosta. Acha fraco, água de batata, mas todos tomam. Ninguém quer ir lá fazer, só querem um pretexto pra fugir até a copa por cinco minutos, falar mal do chefe.

 

Estou virando passageiro do mundo, e a culpa é toda dela, que me fez assim, um completo amargurado. Por que me largar? Por que foi embora assim do nada? Tínhamos nossas brigas, mas afinal, todo casal tem. Contudo, existia amor.

 

Sinto o embrulho no estômago, de quando abri a porta do apartamento e ela estava me esperando sentada na sala, olhar julgador. Feito meu chefe engravatado, quando me chama em sua sala pra questionar alguma cagada que fiz. Aquele palpitar de pressentimento ou de certeza de quem já entendeu o que está por vir.

 

Senti seu perfume, mas desta vez, não consegui me alegrar. Era Floratta com notas de angústia.

O aroma entrava em minhas narinas e minhas sinapses disparavam.

 

Não teve a clássica pergunta: “Como foi seu dia?”. Mas teve a triste frase, “Precisamos conversar”. 

Depois de uma idade a gente aprende o real significado de algumas sentenças. “Vamos marcar” é eufemismo pra “Não tô afim de sair com você, mas não quero ser mal-educado e falar isso na sua cara”. “Oi sumida” é sinônimo de “Agora que terminei meu relacionamento, posso voltar a sair contigo”. E é claro, “Precisamos conversar.” Que é igual a “Vamos terminar”.

 

Já me sentei tentando listar os possíveis motivos desse fim, que pra mim era repentino, mas a cada frase, tinha certeza que havia sido pensando por meses.

 

— É a toalha que sempre deixo jogada na cama após o banho? A louça que sempre deixo largada na pia? Os pelos de barba no banheiro? Prometo mudar, me esforçar mais.

 

Os sapatos que havia jogado no canto, já arrastei esticando o pé por debaixo da mesa. Um contorcionismo para que ela não visse. Tentando esconder o óbvio, assim como em outros momentos do nosso casamento.

 

— Não é você, sou eu. Bem, eu e a Ritinha.
Essa é nova, não está no meu banco de dados de frases clichês.

 

— A Ritinha, sua amiga? O que ela tem a ver com isso?

— Bem, ela não é só minha amiga. Nesses últimos meses, com todo o seu cansaço e excesso de trabalho, ela se fez presente, do jeito que você nunca soube, não quis. Descobri que poderia encontrar mais que uma amiga, descobri sentimentos que sempre estiveram aqui, mas reprimidos, sabe se lá por quem ou o quê.

 

— Você vai me largar por causa de sua melhor amiga?

— De tudo que eu disse, essa foi a única parte que escutou?

— Ainda não acredito, achei que a gente se amava.

 

E assim que falei a frase o asco me subiu à garganta. O bolo de antes se juntou com mais uns três, temperado com amargura e hipocrisia. Um gosto de miojo de galinha com ressaca em meio de semana, tudo junto.

 

Como posso falar em amor, cobrar algo quando dei tão pouco, ou quase nada?

 

O longo expediente, muitas vezes era saída no bar e alguns beijos com a Paula do RH. Perdi a conta de quantas vezes desliguei o celular pra não ler mensagens dela enquanto bebia todas com o pessoal do escritório.

 

Deixei-a falar o porquê do nosso fim e aceitei, foi o que me restou. Ela colocou às claras o que sempre quis varrer pra debaixo do tapete.

 

Mas desde esse dia me tornei vazio, vazio de amor.

Assim como o lado dela na cama e a metade no guarda-roupas. No banheiro não tem, mais o sabonete de limão siciliano. Só alguns fios de cabelo e a saudade. Assim como na música do Chitãozinho e do Xororó. A mesma música que ouço todo dia, lembrando do fim de semana que passamos no sítio dos pais dela.

 

O lençol de cetim ficou áspero ao toque de minhas mãos, vejo a ausência se tornar palpável.  O vazio tornando o ar denso, pesado. Uma neblina se sentimentos preenchendo o ar do quarto.

 

Dizem que dor de amor passa. Mas e dor de culpa? Acho que essa só lá pra 2078, ou quando o Brasil ganhar a copa. O que vier primeiro.

Me sinto incompleto, manco. Assim como a mesa da cozinha que tinha um pé menor e sempre ficava se mexendo a cada ataque de garfos e facas em riste. Cortava daqui, mexia dali e assim ficávamos nesse tango do tec tec batendo no piso de madeira.

Quanto rimos disso! Quanto brigamos porque eu sempre prometia arrumar e nunca fazia nada.

 

Sigo com os dois precisando de concertos, a mesa e meu peito arrependido. Ambos com um pedaço faltando.

Difícil ser inteiro novamente. Sinto que a vida tem sido eu, o Chevette do tio Roberto e uma rua de paralelepípedos.

 

Haja mão, haja puta que pariu.

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