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Foto do escritorJeff Ribeiro

Uma noite

Eu sempre tive uma vida muito bem organizada. Tudo posto nos mínimos detalhes.

Quase um cronograma em Excel.


Acordo às cinco, me espreguiço às cinco e quinze, brinco com o gato, treino, leio um pouco, tomo banho, faço o café e vou trabalhar.


Ao chegar do trabalho, brinco um pouco mais com o gato (sim, ele é carente!) leio mais um pouco, escrevo alguma ideia para a crônica do jornal, faço algo pra comer e me deito no sofá.


Daí sim o ócio vira rei e define o que fazer.


Muitas vezes esse fazer se resume em vários “nadas”. Mas com a certeza do dever cumprido, da rotina finalizada.


Todos os itens ticados.

É metódico, até demais admito. Mas sempre funcionou.


Em uma segunda qualquer troquei o sofá pelo bar.

Gosto de brincar com o acaso, numa dessas vai que...

E não é que foi?


Conheci alguém, começamos conversar, assim despretensiosamente, como quem compartilha segredos no sofá em um domingo chuvoso.

Em duas três horas sei lá ao certo a gente parecia ser íntimos, conversamos sobre tudo. O que muitos escritores chamam de amenidades e que eu prefiro chamar de papo de boteco.


Ela me falou que ama os filmes do Adam Sandler e que casou com dezenove anos. Que gosta de pagode e já assistiu todas as animações da Disney.

De mim falei pouco, só ouvindo.


Ela me deu uma carona pra casa, ficamos sentados na calçada conversando por mais algum tempo. A boca ficou seca e entramos pra tomar água.

A água virou uma taça de vinho, que virou uma garrafa que virou uma noite pra nunca mais se esquecer.


Me lembro que a cama girava feito roda gigante, ou era só o efeito etílico de nossa noite.

Que diferença faz?!


Acordei no dia seguinte com a cabeça latejando, haja café pra curar a ressaca.

Fiquei o dia inteiro pescando na frente do computador, dando cabeçadas no teclado. Minha rotina se foi em meio a sono e saudade da minha cama.


Saudade dela!


A cada pescada eu lembrava daquele sorriso, daquela pinta próxima aos lábios.

Foi a primeira vez na minha vida que saudade e ressaca viraram sinônimos.

Hoje eu queria ver ela de novo, mas não sei se o sono vai deixar, melhor deixar pra quarta. Acho que entre noites com ela preciso de noites de sono.

Só pra equilibrar as coisas.


Ela mandou mensagem, disse que adorou a noite.

Conexões assim são raras, sono a gente encontra em qualquer noite, em qualquer cama.

Prioridade!


Não sei o que fazer, sempre fui muito indeciso, por isso uma rotina tão rígida.

Aí veio ela e mudou tudo, em uma noite me fez ver que tem coisas que não se pode deixar pra depois.


Uma noite... E ela fez tudo isso comigo, imagina no fim da semana...


Queria saber, mas acho que na verdade a gente nunca sabe.

Tem vezes que sente, outras não.

É sempre um risco.


Eu até queria ir dormir cedo, mas ela mandou uma carinha fofinha e uma figurinha que era impossível dizer não.

Não vai ter jeito, a gente vai se ver hoje de novo.


Até queria trocar o vinho pelo suco de uva. Mas ela sugeriu pedir japa. Uma coisa leva à outra…


A gente até que tenta manter a rotina, mas é que a vida...

Bem, essa aí não está nem aí pro nosso planejamento.

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